sexta-feira, 31 de julho de 2009

O PROFESSOR BONITO

Ia passando, com a pasta debaixo do braço, quando a coleguinha a chamou. Pergunta:
— Viste o novo professor?
— Que tal?
A outra baixou a voz, estalando a língua:
— Bacanérrimo!
— Moço?
— Mocíssimo!
— Oba!
Mas já vinha o bonde de Irma, que era o Aguiar-Fábrica. A pequena teve que se despedir: “Vai lá em casa. Não deixa de ir, ouviste?”. Resposta: “OK”. E Irma, sentada ao lado de uma senhora em estado interessante, fez toda a viagem pensando nesse professor jovem e desconhecido. Já o imaginava um tipo cinematográfico, indescritível.
À noite, Galatéia (chamava-se Galatéia) foi visitá-la, com novas e profusas informações. Descreveu-o da cabeça aos pés e anuncia, impressionadíssima:
— Tem olhos azuis.
— No duro?
— Pois é, pois é.

FIGURINHA

O nome foi o tiro de misericórdia. Quando lrma soube que se chamava João Carlos, experimentou um arrepio na carne e na alma. Depois que Galatéia foi embora, ela ficou, em casa, no quarto, repetindo de si para si em todos os tons: “João Carlos, João Carlos”. Dir-se-ia que era este o nome mais bonito da Terra. De noite sonhou, várias vezes, com o novo professor. Ao acordar, seu primeiro pensamento foi para esse homem que nun­ca vira.
Levanta-se, enfia os pés nas chinelinhas e sente uma dor na altura do pulmão. Era a gripe. Os outros sintomas se paten­tearam imediatamente: nariz tomado, febre, tosse, cabeça pe­sada e, segundo sua expressão textual, “gosto de guarda-chuva” na boca. Teve que faltar ao colégio. Durante uma semana inter­minável, ficou em casa, de cama.
Felizmente, Galatéia ia lá, todos os dias, com os boatos mais desvairados. E, pelo que ela contava, estava grassando no colé­gio uma paixão coletiva pelo diabo do professor. Irma, debai­xo dos lençóis, esbugalhou os olhos:
— Batata?
E a outra:
— Palavra de honra!
Galatéia citou umas dez pequenas, de quinze, dezesseis, de­zessete anos, que estavam malucas pelo homem. Súbito, Irma indaga: “Casado?”. Galatéia pisca o olho: “Solteiro!”. E acres­centa:
— Pelo menos, não usa aliança!
Irma esfrega as mãos, transfigurada:
— Viva!

AMOR

Durante os sete dias de gripe, acontecera o seguinte: apai­xonara-se pelo desconhecido João Carlos. Conhecia-o por in­formação, por referência. Mas isto bastou para deflagrar, na sua alma de adolescente (tinha dezesseis anos), uma verdadeira cri­se. Quando voltou para o colégio, chamou Galatéia num canto. Sem mais aquela, avisou:
— Pra teu governo: ele é meu, tem de ser meu, há de ser meu.
A outra ainda avisou:
— Mas olha que tem gente assim dando em cima dele.
Irma achou até graça:
— Não interessa! E toma nota!
Pouco depois, Irma vê, pela primeira vez, o professor João Carlos. Tudo a encantou nele, inclusive uma falta de dente. E era, de fato, uma figurinha, vestido em tecnicolor, com camisa de uma cor, sapato de outra, paletó de uma terceira. Finda a aula, Galatéia veio, sôfrega, colher suas impressões:
— Que tal?
Foi sumária:
— Espetacular!
Três dias depois, Irma chega ao colégio e encontra as cole­gas em polvorosa. Perguntaram: “Sabes da última?”. Recebe a notícia:
— Casado. O homem é casado.
Não disse uma palavra. Afastou-se, com os lábios cerrados. Mas o fato é que, por dentro, tinha vontade de chorar, gritar, espernear. Na saída, explodiu com a sua confidente Galatéia. Não tinha nenhum direito àquele homem, evidentemente. Co­mo as outras, era uma simples aluna. Fosse como fosse, doeu-se com a informação. Sentiu-se como que traída. Lado a lado com Galatéia, pela calçada, desabafou:
— Que cretinão!
E a outra:
— Caso sério, caso sério!
Irma trinca as palavras nos dentes:
— Mas ele há de me pagar.
Pagar o quê? A própria Irma não saberia dizê-lo. A verdade é que sentia uma raiva sem razão, obtusa, uma vontade de ba­ter nesse homem de olhar azul, olhar que ela não conseguia esquecer.

GALATÉIA

Galatéia trouxera a notícia e a espalhara. No dia seguinte, ela aparece com outra novidade: a esposa do João Carlos ia ter neném. Desta vez, Irma perdeu a fala. Recupera-se e indaga: “Vo­cê viu?”. Galatéia foi categórica:
— Vi.
Perguntaram:
— Bonita?
Foi vaga:
— Mais ou menos.
Insistiram. E, então, Galatéia teve que dizer se era loura, morena, bem vestida ou não. Fez a descrição. Súbito, alguém pergunta: “Explica uma coisa: por que é que ele não usa aliança?”. Todos os olhares se voltaram para Galatéia. Ela parece per­turbada: “Isso é lá com ele”. Então, alguém insinua:
— E se tudo isso for golpe teu? Potoca?
Zangou-se:
— Ora, não amola! Golpe por quê? Pra quê? Tenho nada com isso! Que graça!
De noite, Irma telefona para Galatéia: “Queres saber de uma?”. Olha para os lados e baixa a voz:
— Não vou desistir do João Carlos coisa nenhuma. O ho­mem casado pode separar-se, desquitar-se ou ficar viúvo.
Galatéia faz espanto:
— Mas eles se dão muito bem, se gostam muito!
E a outra:
— Ninguém sabe o dia de amanhã. Não é o primeiro que fica viúvo!

A MENTIROSA

E, de fato, vinha sonhando, dia e noite, com a possibilida­de mais que remota de uma viuvez providencial. Estaria tudo resolvido se a outra morresse, talvez de parto. Uma tarde, vem passando por uma sorveteria da rua da Carioca, quando julga ver, lá dentro, um casal conhecido. Volta e, sem entrar, identi­fica o homem e a mulher: Galatéia e o professor João Carlos!
A princípio não compreende. Só em casa, com a cabeça mais fria, julgou perceber toda a verdade. E pensa: “Cínica, cí­nica!”. Galatéia mentira para afastar as outras, para ficar sozi­nha. Repetia para si mesma: “É isso! Só pode ser isso!”.
Numa febre de corpo e de alma, Irma passa a noite em cla­ro, chorando de raiva; no colégio, avisa a Galatéia: “Preciso con­versar contigo!”. Saem juntas, depois das aulas. E, então, fora de si, Irma começa:
— Sua mentirosa! Ele não é casado, nunca foi casado! Vo­cê tapeou a mim, às outras, todo mundo! Mas deixa estar que eu te pego!
Atônita, a outra protesta: “É casado, sim! Eu conheço a mu­lher dele! Vai ter neném!”. Olha em torno e... põe a mão no braço de Irma; com a cabeça, indica: “Espia, espia!”.
Irma olha. Do outro lado da calçada, em cima do meio-fio, vê uma senhora, em estado interessante, que espera a vez de atravessar a rua. Galatéia baixa a voz: “É ela! É a mulher do João Carlos!”. Espantada, Irma faz seus cálculos: “Oitavo mês, tal­vez o nono...”.
Era uma rua de mão e contramão, de tráfego muito inten­so. E aquela senhora esperava que diminuísse o movimento de veículos. Sem uma palavra, Irma atravessa a rua, com a agilida­de dos seus dezesseis anos. Aproxima-se: “Quer que eu ajude? Eu ajudo a senhora a atravessar...”.
Então, aquela mulher que estava por dias aceitou, com um bom sorriso. De braço, com a menina de colégio, está atraves­sando. Súbito, Galatéia grita do outro lado da rua. Irma só teve tempo de desvencilhar-se de sua companheira. Mas esta, me­nos ligeira e menos feliz, foi apanhada, em cheio, arrastada.
Do colégio, saem professores e alunos, inclusive João Car­los, atraídos pelo desastre. João Carlos vai espiar, com muitos ou­tros, e volta, com uma piedade trivial: “Muito desagradável”. Só.
Irma, que espiava, com seus olhos de assombro, vira-se para Galatéia. Esta, pálida, balbucia: “Eu menti. Não é mulher dele, não... Fiquei sem jeito e menti...”.
Então, aconteceu o seguinte: Irma cai de joelhos na calça­da, e grita como uma doida:
— Eu matei pensando que fosse a mulher dele! Pensando que fosse o filho dele! — E batia no peito: — Eu a empurrei de­baixo do caminhão!

Um comentário:

Jamylle Bezerra disse...

Caramba! Impressionada com suas histórias. Muito bom, muito bom!!!!