segunda-feira, 20 de julho de 2009

PAI POR UM CHEQUE

O pai, seu Alfredo, tinha uma frota de trezentos lotações, rodando dia e noite pela cidade. Era um homem rico, muito ri­co, milionário. No dia em que a filha ficou noiva, ele, numa sa­tisfação bárbara, a chamou:
— Vem cá, minha filha, vem cá.
Diga-se de passagem que seu Alfredo, em que pese a sua fortuna imensa, tinha instrução primária e era de origem bem humilde. Sabia fazer três das quatro operações: somar, diminuir e multiplicar. Dividir, não; aos cinqüenta anos de vida, não sa­bia ainda dividir. Por outro lado, seus modos ou, por outra, sua falta de modos clamava aos céus. Tinha uma educação mais que discutível. E não faltava quem, despeitado com a sua prosperi­dade, rosnasse: “É um cavalo!”.
Pois bem, no dia em que sua filha, Dorinha, ficou noiva do dr. Fernando, ele a convocou: “Tudo bem, minha filha? Tu­do ok?”. A menina suspirou: “Tudo!”. Mascando um charuto infecto, o velho olhava em torno: “Não está faltando nada?”. Num gesto grosseiro, bateu no bolso, e insistia:
— Dinheiro há! Dinheiro há! Se quiserem alguma coisa, é só pedir. O que tu queres? Fala! Queres alguma coisa?
Dorinha vacila. E, então, diante do pai, sonha em voz alta:
— Papai, o senhor sabe qual é a coisa que eu mais desejo na vida? Sabe?
— O que é?
E ela:
— Um filho. Quero, sempre quis um filho, ouviu, papai?
Seu Alfredo esfrega as mãos:
— Mas isso é pinto, é canja, minha filha. — E repetia: “É o de menos. Casa e pronto, compreendeste? Batata, minha fi­lha, batata!”.

FLOR DE MENINA

Havia entre pai e filha um contraste de arrepiar. Enquanto seu Alfredo representava uma espécie de gângster, de Al Capone dos lotações, Dorinha era uma figurinha frágil, delicada, ou, como diziam, um biscuit. Aprendera nos melhores colégios, sa­bia correntemente o francês, o inglês, bordava com um gosto de fada e era uma pianista de mão cheia. Aos dezesseis anos, apaixonara-se pelo advogado da companhia do pai, o dr. Fer­nando, rapaz bonito, vagamente afetado, que beijava a mão das senhoras e tinha sempre o ar de quem lavou o rosto há dez mi­nutos. Mas a sua característica que mais impressionava e des­lumbrava o sogro era a seguinte: chovesse ou fizesse sol, o dr. Fernando andava de colete e polainas. De resto um homem que sabia viver. Seu Alfredo, com sua contundente falta de tato e sua bestial espontaneidade, dizia abertamente:
— Gosto de meu futuro genro porque é um puxa-saco! Ge­ralmente, o puxa-saco dá um marido e tanto!
Presunção, como se vê, um tanto precária. Mas o fato é que o noivado ia de vento em popa. Seu Alfredo vivia açulando as mulheres da família:
— Quero um casamento de arromba! Gastem sem pena, nem dó! — E mostrava a carteira recheada, repetindo: “Dinhei­ro há! Dinheiro há!”.

O NETO

No dia do casamento, foi até interessante e impróprio. Seu Alfredo, sem nenhuma noção da própria inconveniência, dava tapas imensos nas costas do genro:
— Quero um neto, ouviu? Um neto caprichado! A jato!
Ria, ao clamar a pilhéria. E tinha, mal comparando, um riso grosso e soluçante de cachorro de desenho animado. Os convidados riram também. Mas um vizinho, aliás um frustra­do, cochichou ao ouvido de outro: “Que animal!”. Referia-se, é claro, ao destemperado dono da casa. Muito bem. Na altura da meia-noite, partem os noivos para a lua-de-mel. Mas antes que o automóvel arrancasse seu Alfredo enfiou o carão no inte­rior do carro:
— Olha o meu neto! Quero o meu neto!
E o genro grave:
— Perfeitamente, perfeitamente.

CALAMIDADE

No fim de uns vinte dias, voltou o casal. A mãe, d. Eduarda, de olho rutilante, quer saber: “Tudo bem, minha filha?”. Tudo bem, sim. Todavia, a pequena parece inquieta: “Mamãe, o negócio é o seguinte: eu ainda não estou sentindo nada”. D. Eduarda acha graça: “Ainda é cedo. Calma, minha filha, cal­ma!”. No dia seguinte, dr. Fernando vai reassumir o cargo na firma. O sogro, porém, quase irritado, mandou-o de volta:
— Não, senhor! Em absoluto! O seu lugar é ao lado de sua esposa!
O outro reluta: “E o emprego?”. Seu Alfredo trovejou:
— Você agora só tem o emprego de marido de minha fi­lha. Só. Percebeu?
Como resistir a um sogro que tinha trezentos lotações ro­dando, independentemente de prédios, avenidas, terrenos, o diabo? O velho veio trazê-lo, cordialmente, até a porta. Olha para os lados, e baixa a voz:
— O negócio do meu neto está caminhando direitinho? Óti­mo! E olha: no dia em que o médico disser que é batata, tu pas­sas por aqui, que eu te dou um cheque de cem mil cruzeiros, pra teus alfinetes!

DECEPÇÃO

O tempo passou. No fim de quatro meses, a decepção era trágica: nada, absolutamente nada. Dorinha voltava de suas visi­tas mensais ao médico numa depressão medonha: “Minhas ami­gas têm filhos até em pé. E eu não, por quê?”. O sogro perdeu a paciência com o genro: “Mas o que é que há contigo, rapaz? Estás dormindo no ponto?”. Metido no seu eterno colete, nas suas indescritíveis polainas, dr. Fernando abria os braços: “Não compreendo”. A título de espicaçá-lo, o velho piscava o olho:
— Sou homem de uma palavra só. Disse que te dava cem contos por neto, não disse? Pode contar. É dinheiro em caixa!
Desesperado, dr. Fernando corre a um médico: faz todos os exames. E recebe um impacto quando o médico, batendo no seu ombro, anuncia:
— Não pode ter filho, ouviu? Não pode.

DESESPERO

Dr. Fernando teve medo da reação da mulher, dos sogros. Guardou para si, só para si, o resultado. Com um descaro que as circunstâncias impunham, simulava um espanto imenso: “Mas eu não posso compreender!”. Verificava-se o seguinte: a lân­guida, meiga, diáfana Dorinha tinha uma única e selvagem pai­xão: a maternidade. Queria ser mãe, eis tudo. Acuado pelo so­gro, dr. Fernando refugiava-se na seguinte desculpa: “Mas eu não posso fazer milagres!”.
O sogro partiu para ele, de dedo espetado: “Fazer filho não é milagre, nunca foi milagre, seu bestalhão!”.

O FIM

Transcorreu mais um ano. Dr. Fernando andava, em casa, pelos cantos, numa humilhação treda e torva. Quanto a Dori­nha, perdera o viço, a alegria de viver, petrificada no seu des­gosto. E, de repente, acontece realmente o milagre: Dorinha vai ao médico e volta com a grande notícia: “Estou, estou!”. No delírio geral, houve uma única exceção: a do pai presuntivo, que, sentado, as duas mãos em cima dos joelhos, esbugalhou os olhos, incapaz de uma palavra. Finalmente, ele ergue-se: vira-se para a mulher: “Vou dar a notícia pessoalmente a teu pai”.
Apanha o automóvel e voa para a firma de lotações. Salta lá, precipita-se para o gabinete do velho. Seu Alfredo teve um choque tremendo. Abraçou-se chorando ao genro: determinou que se encerrasse o expediente mais cedo. Enfim, um autênti­co carnaval.
Finalmente, vira-se para o rapaz: — “Eu te prometi quanto mesmo? Cem, não foi?”. Então, o genro aproxima-se e, com um meio riso ignóbil, conta-lhe o exame feito no médico: “Não pos­so ser pai, compreendeu?”. Respira fundo e completa:
— Nessas condições, quero mais. Acho pouco cem. Tre­zentos, no mínimo.
O velho levantou-se, assombrado. Súbito, pôs-se a berrar:
— Ah, não é teu? O filho não é teu? Então, tu não vais levar um níquel, um tostão! Agora, rua, ouviu? Rua!
O genro saiu de lá, debaixo de pescoções.

Um comentário:

Cris Michelon disse...

Cada amigo novo que ganhamos na vida, nos aperfeiçoa
e enriquece, não pelo que nos dá, mas pelo
quanto descobrimos de nós mesmos.

Ser amigo não é coisa de um dia. São gestos, palavras,
sentimentos que se solidificam no tempo
e não se apagam jamais.

FELIZ DIA DO AMIGO!!!