sexta-feira, 10 de julho de 2009

ASSASSINO

Eram uns seis casais. Na sala de visitas de um deles, con­versavam sobre o amor, sobre a fidelidade. Em dado momen­to, Almeida pousa o copo de uísque e dá sua opinião:
— O destino natural da mulher é ser traída!
Os homens riram-se, as senhoras protestaram:
— Que horror!
E uma delas, casada recentemente, bateu as três pancadas na madeira. Mas já o Almeida, com o seu cordial cinismo, retificava:
— Com exceção das presentes, claro.
Então, a dona da casa, que era uma senhora muito viva e brilhante, vira-se para o Almeida:
— Vocês, homens, são uns mascarados. Pelo seguinte: — um homem sempre trai com outra mulher. E esta mulher há de estar traindo alguém — ou não está?
Ele acha graça: “Depende”. A dona da casa continua:
— A verdade é que todo mundo trai e todo mundo é traído.
O Almeida ergue a voz:
— Menos eu! Eu, não!

LUA-DE-MEL

Era uma discussão sem conseqüência, para matar o tempo. Uns dez minutos depois, já conversavam sobre outros assuntos. E, cerca de meia-noite, Almeida e sua mulher, Dorinha, des­pediram-se. Estavam casados há treze anos e viviam ainda nu­ma relativa lua-de-mel. No automóvel, a caminho de casa, Do­rinha pergunta-lhe:
— É verdade que todo mundo é traído? E todo mundo trai?
Almeida acende um cigarro:
— Não sei se o outros traem, nem interessa. Só sei que eu não traio você, nem você a mim.
Dorinha suspira,
— Por enquanto.
E ele, grave:
— Por enquanto e sempre.
Fazem o resto da viagem em silêncio. Depois, em casa, ti­rando os brincos, Dorinha começa:
— Se eu te fizesse uma pergunta, tu me responderias, bata­ta, com toda a sinceridade?
— Mas claro. Qual é a pergunta?
A pequena vacila. Põe os brincos na caixinha de jóias. De costas para o marido, fala:
— Que farias tu se eu, um dia, te traísse? Pergunto: — que farias comigo?
— Ora, não amola!
Dorinha teima:
— Isso não é resposta! Vamos, fala — tu farias o quê? Tirando a camisa, ele boceja:
— Vai dormir, que teu mal é sono!
Quando Almeida se senta, numa extremidade da cama, pa­ra tirar os sapatos, a mulher senta-se também no seu colo. Bei­jando-o na face, no pescoço, insiste:
— Terias coragem de me matar?
— Talvez.
Dorinha ergueu-se:
— Então, você não gosta de mim, não me ama, é um conversa-fiada!
E o marido:
— O sujeito só mata porque ama, sua boba!
Reagiu:
— Mentira! Quem ama perdoa, ou finge que não sabe. Eu só acredito em amor que resiste à infidelidade! Estou zangada contigo!
Almeida abre a boca num bocejo:
— Vem dormir, anda, que amanhã tenho que levantar ce­do à beça!
Ela ficou em pé em frente a ele.
Rosnou:
— Você não me ama!

OBSESSÃO

Passou. No dia seguinte, na hora de sair para o emprego, Almeida vem beijá-la. Dorinha foge com o rosto:
— Não, senhor!
— Por quê?
E ela:
— Você pensa que eu me esqueci de sua ameaça?
Almeida não entendeu:
— Que ameaça?
E ela:
— Ameaça de morte, sim, senhor. Tu disseste que me ma­tava se eu o traísse.
O marido dá-lhe um tapinha festivo na face:
— Sossega, leoa-de-chácara! E até logo, que eu já estou atra­sado!
Na esquina, ele fez o que fazia sempre, isto é, virou-se para acenar com os dedos. Mas teve a surpresa: a mulher não estava no portão. Era talvez um lapso de Dorinha, um detalhe míni­mo. Fosse como fosse, aquilo o aborreceu. E, no trabalho, a mu­lher telefona para ele. Começa:
— Aqui fala a sua futura vítima.
A princípio, não reconheceu a voz:
— Que vítima?
Ela respondeu:
— Você não disse que me matava?
Pela primeira vez irritou-se:
— Não brinca assim. Já está chata essa brincadeira. Passou. Ao chegar de noite em casa, inclinou-se para beijá-la. Novamente ela recua:
— Não, senhor. O futuro assassino não tem direito de bei­jar a vítima.
Era demais. Criou para a mulher o dilema: “Das duas, uma: ou você acaba com essa gracinha ou eu vou me zangar muito seriamente”. De braços cruzados, o rosto duro, ela o desafia:
— Não é gracinha nenhuma. Eu falo sério. Você disse que me matava e eu considero você o meu assassino.
Atônito, balbucia:
— Quer dizer que você insiste nesse palpite imbecil?
— Insisto.
Explodiu:
— Pois, então, dane-se. Vá tomar banho, antes que eu me esqueça!
O casal foi dormir sem se falar.

DESESPERO

Na manhã seguinte, quando Almeida acorda, Dorinha está sentada na cama. Pergunta ao marido:
— Quando é que você quer me matar?
Ele estoura:
— Quando você me trair!
Dorinha não responde imediatamente. O marido levanta-se, vai escovar os dentes. Súbito, a esposa aparece na porta do banheiro:
— Quem sabe se eu já não traí você? Quem sabe?
Com o dentifrício escorrendo-lhe da boca, o outro bufa:
— Pára com isso, olha que eu estou te avisando!
E ela, trincando os dentes:
— Assassino!
Almeida atira longe a escova. Agarra a esposa pelos dois bra­ços e a sacode:
— Não brinca assim, que eu te arrebento.
E a empurra.

A MENSAGEM

Dois ou três dias depois, Almeida recebe um telefonema do pronto-socorro. Alguém dizia: — “Sua mulher foi atropela­da!”. Almeida mal entendeu. Alucinado, corre. De fato, Dori­nha fora atropelada, sim, num cruzamento de Carioca com Uru­guaiana, e estava por um fio, morre ou não morre. Durante uma semana, esteve inconsciente, mas era óbvio que os médicos ti­nham esperança de salvá-la.
Uma noite, estava Almeida só, no quarto, com a acidenta­da. De repente sente que ela pousa a mão na sua. Do fundo do seu martírio, numa voz que é um sopro, ela está dizendo:
— Eu traí você, eu... traí...
Almeida sentiu que era a confissão da agonia. Antes que ela morresse, ele a matou.

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