quarta-feira, 8 de julho de 2009

BANHO DE CLEÓPATRA

Era muito relaxado. Quase todas as manhãs, Ritinha fazia a mesma pergunta:
— Não vai tomar banho?
Mentia:
— Estou gripado.
E ela:
— Não mente, Hildegardo, não mente! Gripado onde?
O rapaz acabava perdendo a paciência.
— Ritinha, escuta! Te mete com a tua vida! Mania de dar palpite!
Mas a esposa era teimosa:
— Ao menos, passa álcool no pescoço e nas orelhas. Passa, Hildegardo! É tão feio homem de orelha suja.
Hildegardo acabava passando uma lição de moral:
— Escuta, mulher, escuta! — E foi enfático: — O que im­porta é lavar debaixo do braço. E basta! Vê se não enche! Você já está enchendo!
Ritinha suspira:
— Olha, meu filho! Eu não tenho nada com isso. É pra teu bem.
No dia seguinte, a mesma cena. O marido esbravejava: “Ih, você é chata!”.

O CASAL

Entre parênteses, era louca pelo marido. Ia dizer às amigas: — “Gosto tanto do Hildegardo, mas tanto, que olha: — se ele morresse, eu acho que não me casava outra vez”.
Protestavam:
— Mulher precisa de casamento, o que é que há? Ou você é fria?
Batia na madeira, mais do que depressa:
— Isola!
Havia, porém, na sua felicidade, um defeito: — o banho semanal do marido. Como nas anedotas, Hildegardo só tomava banho aos domingos. Menina de um asseio mórbido, que to­mava, às vezes, três banhos por dia, Ritinha não entendia aqui­lo. Repetia, na maior boa-fé: — “É feio, meu filho, é feio!”. E o seu pavor era que a criada notasse e fosse contar na vizinhan­ça. Toda vez que o marido entrava no banheiro, ela ia abrir o chuveiro. Explicava:
— Deixa o chuveiro aberto pra criada pensar que estás to­mando banho.
Ele achou o expediente genial. Fora esse detalhe, eram fe­licíssimos. Até que, um dia, Hildegardo acorda antes da mulher e a sacode:
— Mulher, escuta! Vai botar o meu banho!
Vesga de sono, não entende:
— Banho?
E Hildegardo, feliz, o olho rútilo:
— Exato. Olha: — hoje, quero um banho de banheira. Caprichado.
Sentada na cama, olhava o marido:
— Que piada é essa?
Esfregando as mãos, ele fazia um risonho escândalo:
— Piada como? Você não me chama até de porco? Pois é. Resolvi ser limpo, pronto. Prepara o banho, mulher. Anda, ca­pricha!
Tocada pela alegria do marido, enfiou os pés nas sandálias e pôs o quimono em cima da camisola:
— Até que enfim, puxa vida!

ASSEIO

Enquanto a mulher abria as torneiras, ele, diante do espe­lho, escovava os dentes. Disse:
— Banho morno!
O dentifrício escorria-lhe da boca como uma efervescente baba. Continuou:
— Mulher, quero sair daqui como o sujeito mais limpo do Rio de Janeiro! E olha: — vou te incumbir de uma missão especialíssima. É a seguinte: — quando eu acabar de tomar banho, você vai me limpar as orelhas com álcool. As orelhas e pescoço.
Escovou os dentes, fez a barba. A banheira já estava pela metade. Em calça de pijama, nu da cintura para cima, estufava o peito, com uma sensação de plenitude. De vez em quando, Ritinha experimentava a temperatura da água. No seu quimono rosa, esgarçado nos cotovelos, suspira:
— Sabe que eu estou te estranhando!
O marido acha graça:
— Vocês, mulheres, são engraçadíssimas! Escuta, escuta! Você sempre não reclamou? Pois bem. No dia em que resolvo ser limpo, você estranha?
Olhava aquele marido que era um garotão forte e bonito:
— Estou brincando! Você não vê que eu estou brincando, seu bobo?
Hildegardo veio beijá-la na testa;
— Minha mulher, você é a maior. Vem cá, vem cá. Põe água-de-colônia na banheira.
Era demais: — “Água-de-colônia?”. Teimou:
— Sim, senhora! Água-de-colônia! Quero um banho de Ne­ro, um banho de Cleópatra!
Sem uma palavra, foi apanhar o litro de água-de-colônia. Faz o comentário:
— Você está exagerando!

LIMPEZA

Guarda o litro no pequeno armário e vai saindo:
— Toma teu banho, que eu vou fazer um negócio.
O fato é que Hildegardo demorou-se, na banheira, como uma noiva. Pensava, esfregando-se com ferocidade: — “Banho de casamento!”. Quando saiu, sentia-se mais leve. Gritou:
— Mulher, vem esfregar as orelhas! O pescoço!
Ela respondeu do quarto:
— Agora não posso.
Então ele molha a extremidade da toalha no álcool e passa no pescoço, nas orelhas. Em seguida, põe perfume no cabelo, debaixo do braço, no peito. Imagina: — “Devo estar cheiroso como um bebê”. E já ia saindo quando teve uma lembrança: — “Os pés!”. Inunda os pés de talco. E, então, enrolado na toa­lha, passa do banheiro para o quarto. Mas estaca na porta. Per­gunta, estupefato:
— Que piada é essa?
Via Ritinha, muito entretida, passando a gilete nos seus ter­nos, um por um. A mulher acabava de abrir, em dois, o último paletó. O marido se arremessa:
— Está doida? Bebeu?
Ela ergue o rosto em desafio:
— O senhor não vai sair, não, senhor. Vai ficar aqui, comi­go. Marido limpo eu quero pra mim!
Na sua raiva, segura-a pelos dois braços e a sacode. Ritinha, porém, não teve medo:
— Você arranjou uma cara e vai se encontrar com ela. Por isso tomou banho. Mas vai ficar, ouviu? Vai ficar. Quero a tua limpeza pra mim.
Larga a mulher. Com um esgar de choro, olha aquelas tiras de fazenda. Súbito, dá um repente na mulher. Puxa-o pelo braço:
— Deixa de ser burro! Eu tenho mais classe do que a gaja que você arranjou. Vem cá, vem! Burro!
Puxou-o para si. Deu-lhe um violento beijo na boca.
Meia hora depois, ele, respirando fundo, dizia:
— Você é a maior! A maior!

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