sexta-feira, 24 de julho de 2009

PACTO DE PECADO E DE MORTE

Quando ele, no telefone, propôs um encontro, Luci quase caiu para trás, dura:
— Você está maluco? Doido?
E ele:
— Por quê? Tem alguma coisa demais? É um encontro nu­ma sorveteria ou onde você quiser. Eu digo o que tenho para dizer, você me escuta e pronto. Só.
Mas Luci protestava ainda. Reagiu ferozmente: “Você se es­quece que sou casada? Que tenho marido, filhos?”. Do outro lado da linha, Reginaldo tratava de argumentar:
— O que eu estou pleiteando de ti é apenas um encontro e nada mais. Um simples encontro cordial. Tu estás fazendo um bicho-de-sete-cabeças à toa, sem motivo.
Apavorada, perguntou: “Mas pra quê? Com que finali­dade?”.
Respondeu:
— Preciso falar contigo, dizer umas coisas a ti. Te juro o seguinte: será o primeiro e o último encontro. — Toma respi­ração e suplica: — Tu vais?
Silêncio no telefone. Por fim, quase sem voz, ela admite:
— Irei.

O ENCONTRO

Marcaram o encontro numa confeitaria do Largo da Cario­ca. Nenhum local mais lírico e inofensivo. Todavia, ela, que se criara num colégio de irmãs e tivera em casa uma educação me­dieval, tiritava de pavor. E só transigiu, afinal, só condescendeu em ir porque Reginaldo frisara: “Só esta vez e nunca mais”. Há quinze dias que ele, às tardes, ligava para ela. Começava sem­pre assim: “Sou eu. Te amo, te amo e te amo”. Ora, Luci per­tencia a uma dessas famílias em que a fidelidade feminina era um hábito, uma virtude obrigatória e hereditária. Recebeu um impacto medonho. Ameaçava sempre: “Eu desligo. Olha que eu desligo”.
Mas não desligava. Reginaldo era amigo do marido. Desde que começaram os telefonemas, ela experimentava uma sensa­ção atroz de culpa, de mácula. Em todo caso, o telefone não tinha o perigo, a ameaça da presença material. Eis que Reginal­do pedia, pela primeira e última vez, um encontro. Na hora mar­cada, nervosíssima, Luci entrava; pouco depois, aparecia Regi­naldo.

FRAQUEZA

Sentaram-se num canto: ela, no pavor de pessoas conheci­das; e ele, convulso de paixão. Repete: “Sabe que eu te amo muito? Que eu te amo cada vez mais?”. Falava com tanto fer­vor e, ao mesmo tempo, com tanta humilhação que, sem que­rer, Luci teve uma fraqueza deliciosa, ou seja: admitiu que tam­bém o amava. Logo, porém, sublinhava: “Mas você não vê que esse amor é impossível?”. Reginaldo inclinava-se na mesa, alucinado de esperança: “Por quê? Impossível por quê?”. E a pe­quena:
— Por quê? Pelo seguinte: eu sou uma criatura que perdoa tudo. Para mim, só uma coisa tem importância: a traição. Com­preende? — E continua, com os olhos cheios de lágrimas: — Eu, se traísse uma vez, uma única vez, não poderia olhar nunca mais nem meu marido, nem meus filhos. E teria que morrer, Ouviste? Depois da traição, eu teria nojo da vida!
Reginaldo, porém, estava mais seguro de si mesmo e do pró­prio sentimento, agora que se sabia amado. Trincou as palavras nos dentes, com uma obstinação de fanático: “Hás de ser mi­nha! Hás de ser minha!”. Ela baixa a voz, espantada:
— Tua? Nunca! — Pausa e prossegue, na violência conti­da: — Eu seria tua, sim, se me matasse depois. Só assim!
Reginaldo olha em torno. Por cima da mesa, apanha a mão da pequena. Grave e lento, pergunta:
— Queres um pacto de morte? Escuta: tenhamos uma tar­de, uma noite de amor, e, em seguida, a morte, compreendes-te? Eu morreria mil vezes para viver uma hora, meia hora conti­go! Queres? Seria lindo, não seria?
Por um momento, Luci deixa quase de respirar, como se a dupla sugestão do amor e da morte a arrebatasse. Foi um bre­ve e violento delírio: amar e morrer,.. Pensa que os defuntos não têm memória, nem culpa, como se a morte levasse tudo. Abre os olhos, diz, baixinho, para si mesma: “Meu marido, meus filhos...”. Mas a voz interior responde que uma morta não tem marido, não tem filhos, nada. Olharam-se em silêncio, enamo­radíssimos. Dir-se-ia que a idéia de morrer os unia mais. E, en­tão, sem desfitá-la, pergunta:
— Queres morrer comigo? Deve ser fabuloso morrer con­tigo!
Ela responde, fascinada:
— Quero sim. Quero...
Baixa a cabeça, deliciada.
E Reginaldo:
— Amanhã.

AMOR E MORTE

Ali mesmo combinaram tudo. No dia seguinte, às quatro horas, ela iria ao apartamento dele em Copacabana. Quando a pequena chegasse, estariam, em cima da mesinha-de-cabeceira, dois copos. Luci quer saber: “Veneno?”. Ele fez que sim com a cabeça. Despediram-se, felicíssimos. E o que a fascinava, aci­ma de tudo, é a impunibilidade que a morte dá às criaturas.
Nessa noite, quando o marido quis beijá-la, Luci fugiu com o rosto e usou uma desculpa inesperada e lógica: “Estou com muita dor de cabeça, meu bem. Não consigo nem ficar de pé, nem olhar para as paredes de tanta dor”. Na verdade, queria preservar-se para o pecado e para a morte.

O PECADO

À tarde, às quatro horas, como estava marcado, ela bate na porta do apartamento. Estava ali, sem saudade nenhuma do ma­rido, dos filhos, da casa ou do mundo. Entra e, depois que Re­ginaldo fecha a porta, Luci, de pé, fecha os olhos e pede:
— Me beija, me beija!
E, de fato, houve um primeiro beijo, com uma violência e um desespero de quem vai morrer. Quando se desprenderam, Luci, crispada, balbucia: “Estás vendo?”. Eram os dois copos, cheios, em cima da mesinha. Três horas depois, já caíra a noite. Ela está com a cabeça pousada no seu peito. E ele, brincando com os cabelos da moça, fala: “Agora podemos morrer”. Do fundo do seu sonho, Luci parece espantada:
— Morrer?
E ele, com a boca encostada no seu ouvido:
— Quero morrer contigo.
Sem uma palavra, Luci levanta-se. Com os pés frescos e nus, vai apanhar os dois copos, e, antes que o rapaz pudesse prever o gesto, corre até a janela, que se abre para a noite, e despeja, lá do alto, do décimo segundo andar, todo o veneno. Depois deixa cair um e, depois, o outro copo. Sem compreender, ele quer segurá-la, mas ela se desprende com violência:
— Agora que me ensinaste o amor, não quero morrer, nun­ca mais!
E, com efeito, por um momento, eles se sentiram eternos.

2 comentários:

Eliane Jany Barbanti disse...

Bem vinda ao Fitness tb.
agradeço sua visita aos meus blogs e por tornar-se minha seguidor.
Gostei muito de seus blogs tb.
Volte Sempre!!!
Bjs.
Eliane

Lydia Raquel Pistagnesi disse...

Gracias amiga por viajar hasta mi refugio y dejar tu huella
Besosssssss
Lydia Raquel Pistagnesi