quarta-feira, 5 de agosto de 2009

CHICO-BÓIA

Casou-se magríssimo. Tanto que o sogro costumava chamá-lo, a título de blague, de “esbelto mancebo”. Após os quinze dias de lua-de-mel, porém, Wilson e Ivone passaram por uma farmácia. Ela tem a idéia:
— Vamos pesar?
Subiram na balança. Ela emagrecera, se não me engano, dois quilos e meio. Já o marido engordara. Esbugalhou os olhos no vão protesto: “Não é possível! Não pode ser!”. E, com efeito, a balança acusava a mais quatro quilos! Esbravejou:
— Essa balança está maluca!
Saem os dois impressionadíssimos. Ivone já se julgava uma Olívia Palito; e Wilson, um Chico-Bóia autêntico. Experimen­tam uma balança de confeitaria. Adquirem, então, a certeza: a esposa emagrecera com o matrimônio e o marido engordara. Virou-se para a mulher; e coçava a cabeça, inconformado:
— Que mágica besta!

OBSESSÃO

Que importância pode ter um quilo a mais, ou a menos, num jovem marido e numa jovem esposa? Ivone aceitou sem maiores atribulações o resultado da balança. Mas Wilson, que era um nervoso, um excitado, dramatizou: “Vou fazer regime! Dieta!”. Era, porém, um glutão. No almoço, no jantar, seus pla­nos de regime, dieta, iam por água abaixo., Gemia:
— Meu apetite aumentou com o casamento!
A sogra ponderava:
— Apetite é saúde!
Com um mês de casamento, passa pela mesma farmácia e usa a mesma balança. Ao verificar o peso, toma um novo susto: engordara ainda mais! Mais tarde, em casa, colocou-se diante do espelho. Examinou a própria barriga de frente e de perfil: concluiu, para si mesmo: “Não sinto a mínima diferença!”.
Tomou, porém, uma resolução heróica e definitiva, qual fosse a de não se pesar nunca mais. Pareceu-lhe um meio sim­ples e eficaz de evitar novos aborrecimentos. Mas se fugia da balança, não podia fugir dos amigos. Estes o perseguiam por toda parte com a pergunta, que se renovava ao infinito:
— Como é? Tu não paras de engordar? Estás gordo pra chuchu!

O BARRIGUDO

Voltava para casa desesperado: “Será o Benedito?”. Olhava para a mulher, que vinha conservando o mesmo peso, as mes­mas medidas, a mesma e deliciosa fragilidade física. Dir-se-ia um corpo, uns quadris de menina. E o patético é que o apetite de Wilson parecia crescer. Tinha fomes desesperadoras. Levantava-se, de noite, alta madrugada, e vinha comer, sozinho, na copa, com uma voracidade homicida. Todavia, a sua tragédia de gor­do só atingiu o clímax quando mudou-se da Tijuca para Copacabana.
Ivone bateu palmas, numa alegria de criança: “Que ótimo! E já sabe: vamos à praia todos os dias!”. Ele, que se julgava muito branco, parecia também animadíssimo:
— Preciso apanhar sol, me queimar!
No dia seguinte ao da mudança, acordam cedíssimo. Ivo­ne pôs um maiô amarelo, que valorizava o seu corpo de adoles­cente. Mas quando Wilson apareceu de calção, e nu da cintura para cima, o assombro de Ivone foi uma coisa patética:
— Mas como você está barrigudo!
Subitamente, o rapaz se crispa, num desses pudores físicos incoercíveis:
— É, é?
E, então, sentindo-se um pobre-diabo irremediável, fez o que já fizera antes: põe-se diante do espelho, com a barriga de perfil. Não havia dúvida. Estava prodigiosamente gordo. E mais: sentia-se portador de uma dessas barrigas incomensuráveis, de ópera-bufa.
O pior é que não engordara harmoniosamente, por igual. Não. As pernas, os braços, o tórax eram magros. Mas a barriga se projetava, irresistível. Ao lado, a mulher o esmaga com a in­sistência cruel: “Você está uma pipa! Um barril!”.
Era demais. Aniquilado, Wilson desaba numa cadeira:
— Vai sozinha, vai. Eu fico. Eu não vou. Com essa barriga, eu devia renunciar ao mundo, compreendeu? Devia entrar pra um convento!

NEURASTÊNICO

A princípio, Ivone ainda insistiu: “Que bobagem! Vem, sim, vem! Parece criança!”. Wilson não variou de argumento: batia sempre na mesma tecla: “Não posso nem devo. Não quero fa­zer papel de palhaço”. Não restou outra alternativa a Ivone; foi sozinha dessa vez e sempre. À tarde, o desesperado Wilson com­parecia ao médico:
— Doutor, a minha situação é a seguinte: ou perco essa bar­riga ou sou um homem liquidado!
O médico achou muita graça. Preparou uma dieta, enume­rou tudo o que Wilson podia e não podia comer. Na hora de sair, o rapaz indaga: “Mas isso é batata?”. O outro foi taxativo: “Batatíssima!”. Apertou, comovido, a mão do doutor, e exagerou:
— Não parece, mas o senhor me salvou a vida!
Era, porém, um fraco. A primeira conseqüência psicológi­ca de sua visita ao médico foi a seguinte: recrudesceu seu apeti­te. Quando chegou em casa, teve um espetacular colapso de von­tade: lançou-se como um abutre sobre as comidas proibidas. Era tal a sua voracidade, que a esposa repreendeu-o:
— Faz menos barulho, meu filho! Você faz muito barulho quando come!



O FRACO

Ele, porém, sabia agora que não cumpriria jamais dieta ne­nhuma. Virava-se para a mulher, com lágrimas nos olhos: “Eu sou um caso perdido, um fracasso! Quero e não posso! Tenho comigo uma fome mortal!”. E, súbito, apanha a mão da mulher. Faz-lhe a pergunta, inesperada e sôfrega: “Você ainda gosta de mim?”. Ivone faz espanto: “Mas claro!”. Ele insiste: “No duro? Não é mentira, não? Jura! Quero que jures!”. Mas não adiantou a mulher jurar. E, de repente, diante da esposa atônita, ele ex­plode em soluços:
— Não acredito! Nenhuma mulher pode gostar de um bar­rigudo como eu! Impossível!

MARIA

Começou o inferno. Todas as manhãs, Ivone ia à praia. E, quando a via de maiô, era fatal: Wilson a crivava de indiretas. Baixava a voz, sarcástico: “Na praia, você faz comparações, faz?”. Ela não entendia: “Que comparações?”. E ele:
— Mas claro! Na praia, o que não falta são rapazes bonitos, verdadeiros Tarzãs. É ou não é? E quero saber o seguinte: quan­do você vê um nessas condições, você não me compara com ele? Confessa! Sim ou não?
Recuava espantada: “Deixa de criancice!”. De noite, ele não dormia. Fumando no escuro, ficava pensando nos Apoios tos­tados do banho de mar; e o contraste entre ele e os outros parecia-lhe uma dessas coisas atrozes. Dia após dia perseguia a esposa: “Você acha bonita minha barriga?”.
Desesperando, Ivone acabou se queixando à mãe. Wilson respeitava e ouvia muito a sogra. A santa senhora prontificou-se a ter uma conversa com o genro, em particular. Fez-lhe ver o erro. Wilson, fora de si, esbravejou:
— Vou lhe dizer mais: eu não acredito que um barrigudo como eu possa ser amado! Duvido!
A sogra protesta: “Mas assim você até ofende!”. Ele ri, sordidamente:
— Pelo contrário. Até justifico, ouviu? Justifico que sua fi­lha não me ame. É uma questão de impossibilidade. É impossí­vel que ela ache bonita a minha barriga: que ela goste de uma pipa, de um Chico-Bóia!

FORA DE SI

Não pensava noutra coisa. Até que, um dia, estava no por­tão com Ivone quando vê passar, a caminho da praia, um rapaz moreno, dos seus vinte e poucos anos. Cutuca a mulher: “Re­para nesse cara, repara!”. Ela obedece e, realmente, atenta no transeunte. Era um tipo físico que correspondia aos Apoios de praia que Wilson visionava nos seus delírios de ciumento. O sujeito passa, atlético, escultural. O marido trinca as palavras nos dentes:
— Viste que estátua? E agora responde: pode-se comparar um pançudo como eu àquele cara? Há termo de comparação, há? Fala! Ou tens medo? Por que vocês, mulheres, são tão hi­pócritas? Por quê?
Parou, arquejante. Durante alguns momentos, não fala. Tem o sentimento de que é o homem mais infeliz do mundo. E, sú­bito, com ar de louco, os olhos injetados, diz: “Eu tenho certe­za, certeza absoluta, que você há de me trair um dia”. Pausa e conclui, num soluço: “Se já não me traiu!”. Alucinada, Ivone corre para dentro de casa, chorando. Pouco depois, telefonava para o pai:
— Papai, eu acho que meu marido está louco!

FIM

Nessa noite, ele parecia tranqüilo. Mas era uma calma in­tensa, uma apaixonada serenidade. O casal recolheu-se na hora de sempre. Wilson deixou que a mulher dormisse. E então, quando Ivone pegou no sono, ele fez simplesmente isto: matou-a com dois tiros, quase à queima-roupa.
E, mais tarde, na delegacia, declarava:
— Mais cedo ou mais tarde eu seria traído!

Um comentário:

Denise disse...

O que uma barriga não faz em um louco rs

Fiquei pensando q loucos ha muitos por ai,quais serão as explicações quando cometem algo assim........tão violento?

Demais a historia,vc é sempre uma surpresa deliciosa.
carinho
Denise