segunda-feira, 3 de agosto de 2009

A GRINALDA

Bateu o telefone para o namorado:
— Preciso falar muito contigo!
— Quando?
— Já!
Admirou-se:
— Mas são dez horas da noite, minha filha! — E insistia: — Tarde pra chuchu!
— Não faz mal. Converso contigo no portão e pronto. Vem já, ouviu? Apanha um táxi!
Impressionado, Elesbão ainda quis saber: “Alguma novida­de?”. Ela foi sumária:
— Houve um bode tremendo aqui em casa. Papai está su­bindo pelas paredes! Chispa, meu filho, chispa!

CONFISSÃO

Elesbão tinha nos bolsos uns vinte e cinco cruzeiros. Gas­tou quinze no táxi, e dez minutos depois saltava na porta da pequena. Foi encontrá-la nervosíssima, torcendo e destorcen­do as mãos. O rapaz fez espanto: “Qual é o drama?”. Conversa­ram, ali, no portão. Ela falava por entre lágrimas:
— Papai andou tomando informações a teu respeito. Sou­be várias coisas tuas, inclusive que não tens emprego e outros bichos. Mas o pior é que disseram a meu pai, garantiram, que tu tomas dinheiro de mulher.
Espalmou a mão no peito:
— Eu?
— Você, sim!
E ele, trêmulo:
— Mas que blasfêmia!
Odete crispa a mão no seu braço: “Não faz literatura! Que­ro saber, de ti, o seguinte: isso é verdade? Responde!”.
Balbuciou: “Mas oh! Odete! Até você?”. No seu desespe­ro, Odete atraca-se com o namorado; quase boca com boca faz o apelo:
— Tua palavra só não basta. Quero um juramento. Mas um juramento batata! — Pausa e, sem desfitá-lo, pergunta: — Tu és capaz de jurar, pela vida de tua mãe, que isso é calúnia, que nunca levaste dinheiro de mulher?
Elesbão tomou-se de uma palidez mortal, como nos velhos romances. Quer falar e não pode. E, súbito, explode em soluços:
— É verdade, sim! Tomo dinheiro de mulher! Sempre to­mei! E, agora, cuspa na minha cara, cuspa!...
E, com efeito, oferecia, histericamente, a face. Ela não te­ve um gesto, uma palavra. Pela primeira vez, via um homem, um adulto chorar como uma criança. Finalmente, crispou-se de pena. Afagou-o nos cabelos, no rosto.
— Coitadinho! Coitadinho!

A OUTRA

Quando ele ficou mais calmo, Odete suspira: “Agora você vai me contar tudo, tudinho!”.
Justiça se lhe faça: Elesbão contou realmente tudo, não es­condendo absolutamente nada. Seus amigos o chamavam, com um bom humor e justiça, de “inimigo pessoal e intransferível do trabalho”. Jamais tivera um emprego, um biscate. Forte e bonito, com um perfil cinematográfico, inspirando paixões e provocando suicídios femininos — tinha sempre uma, duas, três mulheres.
Ultimamente, tinha uma pequena fixa, uma tal de Vanda, que o subvencionava regiamente. Ao mesmo tempo que exigia exclusividade, Vanda o vestia da cabeça aos pés. Todas as suas meias, ternos, sapatos, cintos eram presentes de Vanda. Ela o vestia da cabeça aos pés; e mais: dava-lhe uma mesada de quin­ze mil cruzeiros, fora os extraordinários. Por um momento, Ode­te esqueceu o aspecto moral da questão para admirar a genero­sidade da outra:
— Mas quer dizer que essa cara tem muito dinheiro, não tem?
Ele estufa o peito:
— Se tem! Ganha um dinheirão. Ainda agora passou um mês em São Paulo. E, com esse negócio de iv Centenário, fez, em trinta dias, uns cento e cinqüenta mil cruzeiros com um pé nas costas!
— No duro?
— No duro!

GRANDE AMOR

Encerrada a confissão, o rapaz agarra-se à pequena: “Ago­ra que sabes de tudo, eu te pergunto: tu ainda gostas de mim? Tu me perdoas?”. Houve, então, uma cena de alto patético. Ani­nhada nos seus braços, Odete dizia e repetia:
— Meu filho, eu sou da seguinte teoria: o homem que diz a verdade, que não esconde nada, deve ser perdoado. O que eu não gosto, não topo, é fingimento, hipocrisia!
Ele aproveitou o ensejo e deu-lhe um beijo voraz na boca. Odete suspira: “Ih! você comeu todo o meu batom!”. E, então, na sua euforia, o namorado toma uma resolução heróica:
— Vou chutar a Vanda, compreendeu? E tratar de arranjar um emprego. Você pode ficar certa do seguinte: de agora em diante sou um sujeito decente... pra todos os efeitos!

O RENEGADO

Dali, Odete correu ao pai. Explicou, por outras palavras, que o namorado era um ex-canalha e que estava totalmente re­generado. O velho coça a cabeça: “Veja lá, minha filha, veja lá!”. Odete reservara para o fim o grande apelo:
— Bem, papai. E sabe quem é que vai salvar a pátria? O senhor!
Tomou um susto.
— Eu? E como?
Simplificou:
— Arranjando um emprego. Arranja, não arranja? O senhor tem muitas relações, papai! Isso é café pequeno para o senhor!
O velho, que era louco por aquela filha, prometeu que ar­ranjaria, sim. Quando o namorado apareceu, ela correu para ele, de braços abertos: “Tudo resolvido, tudo!”. Contou-lhe a pro­messa. Elesbão ouviu a notícia, calado, jururu. Por fim, geme: “Tu não sabes do pior”. Referiu que telefonara para Vanda, rom­pendo. Odete indaga: “E ela?”. Elesbão pisa o cigarro, que dei­xara cair:
— Ela fez, no telefone, um banzé que só você vendo! Quer a devolução de todos os ternos, camisas, sapatos, o diabo! Diz que onde me encontrar vai passar a gilete na minha roupa! Es­tou num mato sem cachorro!
Essa ferocidade causou na pequena um misto de deslum­bramento e náusea. Pensa um pouco e sugere:
— Sabe qual é o golpe, meu filho? Presta atenção: por en­quanto você não briga. Deixa o barco correr. Vamos dar tem­po ao tempo.

O EMPREGADO

Uma semana depois, o velho aparece com a noticia: “Ar­ranjei o emprego!”. Mas quando Elesbão soube do ordenado — mil e Oitocentos cruzeiros — caiu das nuvens: “Com esse salário, eu não posso nem te pagar um Chicabon!”. E, diante da pequena, tem uma explosão:
— A tragédia do homem é que vive numa sociedade ba­seada no trabalho! Ninguém devia trabalhar, ninguém devia fa­zer nada, todo mundo devia viver de papo pro ar!
Odete deixa passar um momento e suspira: “Pois é, meu filho! Por isso é que eu te disse, não foi? Pra não brigar já”.
De qualquer maneira, Elesbão teve que tomar posse do tal emprego, para não desgostar a família da pequena. Dois dias de­pois, ficam noivos. E, então, Odete vira-se para ele: “Olha, meu anjo: eu quero um vestido de noiva daqueles, que deixe todo mundo com cara de tacho. Estive vendo um modelo que deve ficar por uns cinqüenta contos. Ora, meu pai está meio bom­bardeado. De forma que é você mesmo quem vai dar o jeito”.
Elesbão esbugalha os olhos: “Cinqüenta contos? Mas eu só ganho um e Oitocentos!”. Sem olhá-lo, de perfil para ele, Ode­te simplifica:
— Você sabe onde buscar o dinheiro.

O VESTIDO

Recorreu a Vanda. Mas como era uma quantia maior, teve que contar a verdade. Vanda comoveu-se: “Pra tua noiva, eu dou. Tenho ciúmes de outras mulheres. Mas de noiva, esposa, não”.
O fato é que Elesbão apareceu com o cheque de cinqüenta mil cruzeiros. A própria Odete foi ao banco, receber; na volta, chama Elesbão: “Telefona, aqui, já, na minha frente, para Van­da. Diz que está tudo acabado entre vocês”. Espantado, ele obe­dece. Desta vez, Vanda limitou-se à ameaça vaga:
— Espera a volta.
Foi só. O casamento pôde ter lugar apesar do ordenado de mil e Oitocentos cruzeiros, porque Elesbão teria casa, comida e roupa lavada dos sogros. Quando chegou o grande dia, hou­ve a cerimônia civil às onze horas. E, à tarde, no seu fabulosíssimo vestido de noiva, Odete saiu de casa para tomar o auto­móvel. Mas, ao pôr o pé na calçada, uma mulher bem vestida barra-lhe o caminho: “Eu sou a Vanda!”.
Odete estaca. E, então, a outra passa-lhe a mão na altura do seio e rasga o vestido de alto a baixo. Em seguida, arranca e atira no chão a grinalda. Odete pôs-se a gritar, numa histeria medonha. Quiseram segurar a agressora.
Como uma possessa, Vanda sapateava em cima da grinalda.

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