Engraçadinha foge com o rosto:
— No céu da boca, não! Não faz assim! Meu bem, eu não agüento! Não, Luís, não!
Agarrou-a pelos dois braços:
— Vem cá! Escuta, Janet, olha! Escuta!
Cai com os ombros, esconde a cabeça:
— Pelo amor de Deus, Luís! Olha, deixa eu falar! Eu não agüento! Filhinho, escuta!
Agora ele apanha o rosto de Engraçadinha entre as mãos:
— Uma vez só!
Ofegante, resiste:
— Meu bem, não está em mim. Se você fizer isso outra vez, sou capaz de gritar. Eu grito, e responde: você quer que eu grite? Que eu dê escândalo? E, além disso, aqui não. No claro, não, Luís! Está claro! Meu filhinho!
Puxa Engraçadinha para si. Ela está com o ouvido no seu coração forte. Baixa a voz:
— Querida, eu vou viajar.
Ergue o rosto:
— Você?
E ele:
— Parto amanhã.
Engraçadinha começou a sofrer:
— Para onde?
Luís Cláudio apanha um cigarro e acende o isqueiro:
— É esse negócio do Eisenhower. Uma turma do Itamarati vai a Brasília e eu estou no meio. Vou também e, amanhã, bem cedinho, estarei voando.
Numa tristeza atônita, balbucia:
— De avião?
— Quadrimotor.
Cruza os braços, varada de arrepios:
— Tenho medo! Tenho medo!
Atira fora o cigarro. Recosta-se e, de perfil para ela, fala, com um mínimo de voz:
— Já voei não sei quantas vezes. Mas olha: estou com medo, um certo medo. Não sei, mas estou sentindo uma espécie de... Ou é porque te achei? Escuta, olha pra mim: sabe que eu gosto de ti?
Agarra-o, desesperada:
— Você fala como se fosse a última vez! Estou achando você meio triste. Querido! Não vai acontecer nada!
Luís passa a mão por trás de sua cabeça e a agarra pelos cabelos:
— Quem sabe?
Instintivamente, ela procura uma madeira para bater as três pancadinhas:
— Olha! Não vai acontecer nada! — muda, bruscamente de tom! — Mas se você... Luís! Se por acaso você tem algum pressentimento. Escuta, deixa eu falar: se você acha que, então não vá, meu amor, não vá!
O rapaz fixa o olhar duro. Ela passa os dedos pelo seu rosto:
— Adia a viagem! Diz que está doente! Arranja uma desculpa! Se você estivesse doente, você não ia, ia?
Novamente, Luís Cláudio a puxa para si:
— Tenho que ir. Preciso ir. Dei a minha palavra. Afinal de contas, avião é o que há de mais normal. Criança de peito viaja de avião. Mas, em todo o caso, há uma possibilidade em mil e... Escuta. Já que há essa possibilidade, que é irrisória, mas existe: eu queria te fazer um carinho.
— Carinho?
Encosta a boca no seu ouvido:
— Aquele.
Recua:
— Mas aqui? Aqui, não, meu bem!
Trinca os dentes:
— Aqui!
E ela, com um olhar de febre:
— Se passar alguém! Pode passar alguém! Outro dia! Sim? Outro dia! Eu te juro que... Aqui, não pode! E está claro! Olha o sol, filhinho, olha o sol!
— Aqui! No Les Amants os dois estavam no barco! Entraram, não sei por quê! Não precisavam entrar! Ouve, meu amor: o automóvel é o barco! O nosso barco! Eu posso morrer e...
Abandona-se, ofegante:
— Gosto tanto que... Tenho medo de gritar! Querido, tenho medo de gritar!
*
Amado Ribeiro deixa o Phocion e volta. Puxa o Dr. Odorico:
— Meritíssimo, chega aqui um instantinho!
Afastam-se do bolo da reportagem. Amado cochicha:
— Abre o olho, doutor, abre o olho!
Essa intimidade agressiva deu-lhe uma certa irritação. Não gostava do repórter (mas tinha-lhe medo). Sentia, no Amado Ribeiro, um descaro gigantesco. Curva-se inquieto:
— Por quê?
Amado pigarreia e cospe no chão da delegacia:
— Aquilo que eu lhe contei é batata, percebeu? O Miécimo chutou a barriga da preta por dois motivos: porque era preta e porque estava grávida!
O juiz reage:
— Ninguém faz isso, oh Amado!
O repórter ri, numa certeza triunfal:
— Ou o senhor ignora que o policial batata gosta de chutar barriga de mulher grávida? É um traço, entendeu? Uma característica vocacional! Aquele que não tem essa tendência é um inepto, um relapso!
Dr. Odorico teve a suspeita de uma blague cruel! Embora delicadamente, protestou:
— O amigo está fazendo uma caricatura. A nossa Polícia é das melhores! Há autoridades dignas! Humanas!
Neste momento, o delegado Miécimo olha, de sua mesa, o juiz e o repórter. Deduz, na sua fúria contida: “Estão falando de mim!” E pensa: “O Piragibe tem razão. Dois sujeitos que precisavam levar um tiro na cara! O Amado Ribeiro e o Mário Morel!”
*
Quando o juiz olha o relógio, toma um susto: tarde! Vira-se para o Amado Ribeiro:
— Escuta, Amado, olha: toma conta do menino que eu tenho que ir. E, depois, já sabe: você apanha o Leleco e leva lá naquele bar. Onde a mãe está esperando.
De fato, D. Araci ficara numa sorveteria próxima. O repórter bate nas costas do juiz: “Eu garanto a zona. Pode deixar”. Antes de sair, Dr. Odorico fez um aceno de dedos para Miécimo. O delegado ergue-se e aperta as duas mãos num cumprimento de pugilista. Na primeira esquina, o magistrado embarca num táxi.
Vinte minutos depois, salta na esquina de Sete de Setembro. Alguém, que vinha passando, retrocede para saudá-lo:
— Meritíssimo!
Vira-se. Era o Nelsinho Sena Neto, rapaz grandalhão, de uma larga e agressiva simpatia humana. Sua vitalidade deprimida humilhava os conhecidos. Sufocou o juiz no seu abraço voraz. Meio triturado, Dr. Odorico geme:
— Nelsinho, olha! Preciso muito falar contigo!
Ao vê-lo, tivera um desses lampejos fatais e decide, impulsivamente: “Vai ser o meu orientador sexual!” O Nelsinho estava, porém, com pressa e explica:
— Tenho uma pequena me esperando, mas olha: vamos fazer o seguinte... À meia-noite, hoje, no Sorriento! Ceia comigo! Está convidado! No Sorriento. OK? Tchau, que...
Partiu, levando a sua fúria vital. E, então, satisfeito do encontro (uma coincidência), o juiz pôde ir ao encontro do Tinhorão, que já esperava na porta do Jornal do Brasil, debaixo do relógio. O jornalista arremessou-se:
— Arranjei! Está arranjado!
Dr. Odorico parece espantado. Tinhorão explica, em voz alta, chamando a atenção:
— O apartamento! Arranjei o apartamento!
O juiz recua:
— Já?
Vibra:
— Um apartamento que só falta falar! Ambiente meio danunziano. Tem uns biombos pretos, com uns arabescos dourados. Negócio meio fúnebre, mas de alta sensualidade! Quinhentas pratas!
Maravilhado, Dr. Odorico já imaginava Engraçadinha atrás do biombo, tirando a roupa. Num gesto enfático, Tinhorão arranca algo do bolso:
— Toma!
Era a chave. Dr. Odorico recua como se aquilo fosse uma arma carregada. Esbugalha-se: “Chave?” Tinhorão exulta:
— Por minha conta, eu combinei tudo. Disse que o Meritíssimo ia, lá, amanhã, às quatro horas. Das quatro às seis!
O juiz está lívido. Quase soluçou:
— Você fez isso, ó Tinhorão! Pelo amor de Deus! Escuta Tinhorão! Não me faça uma coisa dessas! Olha aqui: essa pessoa, deixa eu falar. Essa pessoa, por quem eu sinto uma forte atração, é uma senhora, escuta, Tinhorão! Uma senhora honestíssima! Honestíssima! Nunca pensou, jamais, nem por sombra, em prevaricar! É casada! Casada, percebeu?
O espantado agora era o jornalista.
— O senhor ainda não cantou?
Ao ouvir falar em cantar, Dr. Odorico quase disse um palavrão:
— Rapaz, olha essa linguagem! De mais a mais, a senhora é protestante! Ninguém canta uma protestante! Escuta, Tinhorão. Naturalmente que essa dama... O que há é o seguinte: eu fiz algumas despesas. Uma vez que ela admitiu essas despesas, há um certo compromisso. Há. Mas é uma coisa muito velada e que exige certo tato. Honestíssima, senhora honestíssima! Temos que dar tempo ao tempo!
Cruelmente divertido, o Tinhorão dá-lhe a notícia, à queima-roupa:
— Mas é que eu adiantei as quinhentas pratas que o senhor vai me reembolsar.
*
Em pé, junto à cama, Silene mergulha o rosto no lenço encharcado de éter. Ao mesmo tempo, Letícia passa o lança-perfume na nuca, no ouvido, nas costas, entre os seios da menina. Silene sente-se um ser maravilhosamente gelado. Súbito, a garota rola em convulsões sobre a cama; Abre a boca, mas a outra cai, sobre ela, tapa-lhe o grito. Letícia soluça:
— Minha! Minha!
— No céu da boca, não! Não faz assim! Meu bem, eu não agüento! Não, Luís, não!
Agarrou-a pelos dois braços:
— Vem cá! Escuta, Janet, olha! Escuta!
Cai com os ombros, esconde a cabeça:
— Pelo amor de Deus, Luís! Olha, deixa eu falar! Eu não agüento! Filhinho, escuta!
Agora ele apanha o rosto de Engraçadinha entre as mãos:
— Uma vez só!
Ofegante, resiste:
— Meu bem, não está em mim. Se você fizer isso outra vez, sou capaz de gritar. Eu grito, e responde: você quer que eu grite? Que eu dê escândalo? E, além disso, aqui não. No claro, não, Luís! Está claro! Meu filhinho!
Puxa Engraçadinha para si. Ela está com o ouvido no seu coração forte. Baixa a voz:
— Querida, eu vou viajar.
Ergue o rosto:
— Você?
E ele:
— Parto amanhã.
Engraçadinha começou a sofrer:
— Para onde?
Luís Cláudio apanha um cigarro e acende o isqueiro:
— É esse negócio do Eisenhower. Uma turma do Itamarati vai a Brasília e eu estou no meio. Vou também e, amanhã, bem cedinho, estarei voando.
Numa tristeza atônita, balbucia:
— De avião?
— Quadrimotor.
Cruza os braços, varada de arrepios:
— Tenho medo! Tenho medo!
Atira fora o cigarro. Recosta-se e, de perfil para ela, fala, com um mínimo de voz:
— Já voei não sei quantas vezes. Mas olha: estou com medo, um certo medo. Não sei, mas estou sentindo uma espécie de... Ou é porque te achei? Escuta, olha pra mim: sabe que eu gosto de ti?
Agarra-o, desesperada:
— Você fala como se fosse a última vez! Estou achando você meio triste. Querido! Não vai acontecer nada!
Luís passa a mão por trás de sua cabeça e a agarra pelos cabelos:
— Quem sabe?
Instintivamente, ela procura uma madeira para bater as três pancadinhas:
— Olha! Não vai acontecer nada! — muda, bruscamente de tom! — Mas se você... Luís! Se por acaso você tem algum pressentimento. Escuta, deixa eu falar: se você acha que, então não vá, meu amor, não vá!
O rapaz fixa o olhar duro. Ela passa os dedos pelo seu rosto:
— Adia a viagem! Diz que está doente! Arranja uma desculpa! Se você estivesse doente, você não ia, ia?
Novamente, Luís Cláudio a puxa para si:
— Tenho que ir. Preciso ir. Dei a minha palavra. Afinal de contas, avião é o que há de mais normal. Criança de peito viaja de avião. Mas, em todo o caso, há uma possibilidade em mil e... Escuta. Já que há essa possibilidade, que é irrisória, mas existe: eu queria te fazer um carinho.
— Carinho?
Encosta a boca no seu ouvido:
— Aquele.
Recua:
— Mas aqui? Aqui, não, meu bem!
Trinca os dentes:
— Aqui!
E ela, com um olhar de febre:
— Se passar alguém! Pode passar alguém! Outro dia! Sim? Outro dia! Eu te juro que... Aqui, não pode! E está claro! Olha o sol, filhinho, olha o sol!
— Aqui! No Les Amants os dois estavam no barco! Entraram, não sei por quê! Não precisavam entrar! Ouve, meu amor: o automóvel é o barco! O nosso barco! Eu posso morrer e...
Abandona-se, ofegante:
— Gosto tanto que... Tenho medo de gritar! Querido, tenho medo de gritar!
*
Amado Ribeiro deixa o Phocion e volta. Puxa o Dr. Odorico:
— Meritíssimo, chega aqui um instantinho!
Afastam-se do bolo da reportagem. Amado cochicha:
— Abre o olho, doutor, abre o olho!
Essa intimidade agressiva deu-lhe uma certa irritação. Não gostava do repórter (mas tinha-lhe medo). Sentia, no Amado Ribeiro, um descaro gigantesco. Curva-se inquieto:
— Por quê?
Amado pigarreia e cospe no chão da delegacia:
— Aquilo que eu lhe contei é batata, percebeu? O Miécimo chutou a barriga da preta por dois motivos: porque era preta e porque estava grávida!
O juiz reage:
— Ninguém faz isso, oh Amado!
O repórter ri, numa certeza triunfal:
— Ou o senhor ignora que o policial batata gosta de chutar barriga de mulher grávida? É um traço, entendeu? Uma característica vocacional! Aquele que não tem essa tendência é um inepto, um relapso!
Dr. Odorico teve a suspeita de uma blague cruel! Embora delicadamente, protestou:
— O amigo está fazendo uma caricatura. A nossa Polícia é das melhores! Há autoridades dignas! Humanas!
Neste momento, o delegado Miécimo olha, de sua mesa, o juiz e o repórter. Deduz, na sua fúria contida: “Estão falando de mim!” E pensa: “O Piragibe tem razão. Dois sujeitos que precisavam levar um tiro na cara! O Amado Ribeiro e o Mário Morel!”
*
Quando o juiz olha o relógio, toma um susto: tarde! Vira-se para o Amado Ribeiro:
— Escuta, Amado, olha: toma conta do menino que eu tenho que ir. E, depois, já sabe: você apanha o Leleco e leva lá naquele bar. Onde a mãe está esperando.
De fato, D. Araci ficara numa sorveteria próxima. O repórter bate nas costas do juiz: “Eu garanto a zona. Pode deixar”. Antes de sair, Dr. Odorico fez um aceno de dedos para Miécimo. O delegado ergue-se e aperta as duas mãos num cumprimento de pugilista. Na primeira esquina, o magistrado embarca num táxi.
Vinte minutos depois, salta na esquina de Sete de Setembro. Alguém, que vinha passando, retrocede para saudá-lo:
— Meritíssimo!
Vira-se. Era o Nelsinho Sena Neto, rapaz grandalhão, de uma larga e agressiva simpatia humana. Sua vitalidade deprimida humilhava os conhecidos. Sufocou o juiz no seu abraço voraz. Meio triturado, Dr. Odorico geme:
— Nelsinho, olha! Preciso muito falar contigo!
Ao vê-lo, tivera um desses lampejos fatais e decide, impulsivamente: “Vai ser o meu orientador sexual!” O Nelsinho estava, porém, com pressa e explica:
— Tenho uma pequena me esperando, mas olha: vamos fazer o seguinte... À meia-noite, hoje, no Sorriento! Ceia comigo! Está convidado! No Sorriento. OK? Tchau, que...
Partiu, levando a sua fúria vital. E, então, satisfeito do encontro (uma coincidência), o juiz pôde ir ao encontro do Tinhorão, que já esperava na porta do Jornal do Brasil, debaixo do relógio. O jornalista arremessou-se:
— Arranjei! Está arranjado!
Dr. Odorico parece espantado. Tinhorão explica, em voz alta, chamando a atenção:
— O apartamento! Arranjei o apartamento!
O juiz recua:
— Já?
Vibra:
— Um apartamento que só falta falar! Ambiente meio danunziano. Tem uns biombos pretos, com uns arabescos dourados. Negócio meio fúnebre, mas de alta sensualidade! Quinhentas pratas!
Maravilhado, Dr. Odorico já imaginava Engraçadinha atrás do biombo, tirando a roupa. Num gesto enfático, Tinhorão arranca algo do bolso:
— Toma!
Era a chave. Dr. Odorico recua como se aquilo fosse uma arma carregada. Esbugalha-se: “Chave?” Tinhorão exulta:
— Por minha conta, eu combinei tudo. Disse que o Meritíssimo ia, lá, amanhã, às quatro horas. Das quatro às seis!
O juiz está lívido. Quase soluçou:
— Você fez isso, ó Tinhorão! Pelo amor de Deus! Escuta Tinhorão! Não me faça uma coisa dessas! Olha aqui: essa pessoa, deixa eu falar. Essa pessoa, por quem eu sinto uma forte atração, é uma senhora, escuta, Tinhorão! Uma senhora honestíssima! Honestíssima! Nunca pensou, jamais, nem por sombra, em prevaricar! É casada! Casada, percebeu?
O espantado agora era o jornalista.
— O senhor ainda não cantou?
Ao ouvir falar em cantar, Dr. Odorico quase disse um palavrão:
— Rapaz, olha essa linguagem! De mais a mais, a senhora é protestante! Ninguém canta uma protestante! Escuta, Tinhorão. Naturalmente que essa dama... O que há é o seguinte: eu fiz algumas despesas. Uma vez que ela admitiu essas despesas, há um certo compromisso. Há. Mas é uma coisa muito velada e que exige certo tato. Honestíssima, senhora honestíssima! Temos que dar tempo ao tempo!
Cruelmente divertido, o Tinhorão dá-lhe a notícia, à queima-roupa:
— Mas é que eu adiantei as quinhentas pratas que o senhor vai me reembolsar.
*
Em pé, junto à cama, Silene mergulha o rosto no lenço encharcado de éter. Ao mesmo tempo, Letícia passa o lança-perfume na nuca, no ouvido, nas costas, entre os seios da menina. Silene sente-se um ser maravilhosamente gelado. Súbito, a garota rola em convulsões sobre a cama; Abre a boca, mas a outra cai, sobre ela, tapa-lhe o grito. Letícia soluça:
— Minha! Minha!
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